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Contos-->Um Conto Brasileiro de Natal -- 24/12/2002 - 12:12 (JANE DE PAULA CARVALHO SANTOS) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
João Carlos é um trabalhador negro retinto como tantos outros neste país de raízes africanas, sua a camisa (quando a veste) como louco lavando carros no estacionamento em frente ao shopping, sob o sol inclemente ou a chuva impiedosa – depende do homem do tempo. Nesta véspera de natal, decidiu investir em marketing pessoal, juntou uma grana e comprou um gorrinho de Papai Noel, visando o aquecimento financeiro da caixinha de natal. Mas não foi um gorrinho qualquer não, foi um gorro de respeito, feito de flanela com abinhas e pompom brancos de lã grossa e brilhante – nada a ver com os chapeuzinhos vagabundos de um e noventa e nove que vende a rodo por aí. Pena não ter tido essa idéia brilhante antes, mas tudo bem, seria uma visão tão impactante, que os fregueses ficariam logo emocionados, derramando os doces reais na caixa de sapato embaladinha com pequenos noéizinhos vermelhos.

João Carlos vislumbrava um natal maravilhoso em uma bela ceia farta na casa da namorada – bancada por ele; agradaria a sogrona, rezariam pela alma do finado sogrão bebum e enfim, quando a madrugada estivesse a pleno vapor, inauguraria Maria de Fátima no tanque do quintal.

No amanhecer da véspera de natal, João Carlos preparou afoito a matula do dia: marmita, sandálias, sabão, cera, flanela, um biscoitinho água e sal para a hora de desespero famélico e, claro, ainda acomodado no saco plástico, o gorrinho de flanela vermelha. Tudo pronto, tocou para o estacionamento. A mesma lotação, o mesmo trem, a mesma baldeação. As mesmas caras sonolentas, o mesmo desamparo, os mesmos bêbados, os mesmos moleques dormindo embaixo da marquise. Só João Carlos trazia um sorriso gigante no rosto, esperança, esperança... Ah, Maria de Fátima! Virgenzinha e só dele. A vida podia ser bela, senhores.

Ao chegar na frente ao shopping, rotinas normais: acomodar as coisas no galho mais alto do ipê amarelo, colocar a bermuda de trabalho e encarar o astro rei de frente que, às oito da manhã, já ardia e queimava como se fosse meio dia. Carinhosamente, João Carlos pegou o gorrinho e encaixou na cabeça, tomando cuidado de manter as abinhas limpas e brancas. “Posso vigiar, madame? Vai cera hoje, doutor? Deixa a chave comigo, mais tarde tem vaga...” Providencialmente se aproximava com a caixinha de natal, acenando e sorrindo.

Quando os companheiros de flanela chegaram, corroídos pelo veneno da inveja, não tardaram em avacalhar:

- Aê, Tição! Papai Noel passou do tempo no forno?

E João Carlos odiava os apelidos. Tição, preto, negão, piche, asfalto.

- Olha lá, olha lá! Tem um chapéu de Papai Noel flutuando... Ah! É tu, carvão? Desculpaê, sacumé, olhando contra a luz você é só a sombra...

Até os clientes riam. E grana? Dez, trinta centavos, um real. Merda. O sorriso já era um esgar na face escaldada, a aba branca desfiou e ficou embandeirada ao lado do rosto com o suor correndo em bicas.

- Calor dos infernos!

Uma madame que trabalhava no banco há séculos e nunca lhe deu nem um centavo, furou o pneu e ele foi o eleito para trocar. Em pagamento, um “feliz natal” entredentes e... mais nada. O pompom branquinho do gorro de flanela quente como o cão, agora fazia parte do asfalto fervente, numa interação simbiótica. A aba embandeirada ainda o incomodava, pregada apenas numa das pontas, tranqüilamente repousada sobre os ombros pastosos de João Carlos. Pra coroar seu dia, uma turma de moleques cheiradores de cola passou gritando:

- Saci-i! Saci-i! Olha lá o saci pererê!

É... João Carlos negro retinto e trabalhador não tinha mais na cabeça um gorro lindo e caro de Papai Noel, mas uma carapuça encharcada de suor. Decidiu ir embora, passar o natal na frente da tv preto e branco, assistindo a missa do galo. Mas primeiro, resolveu providenciar uma fogueirinha com o ridículo chapéu.

Já era noite alta quando chegou em casa, tomou uma, esquentou a bóia da manhã e sentou no batente da porta pra esperar o tal do natal. Natal de merda: duro, sozinho e humilhado.

Quando então, sem mais nem menos, quem vinha descendo o morro? Sim! Era ela! Maria de Fátima... E sozinha, sem o traste da mãe pra acompanhar.

- Boa noite, João Carlos... Fim te dar Feliz Natal...

E deu. Feliz Natal, Feliz Ano Novo, Dia de Reis e Páscoa, numa noite linda e quente. Fez de seu homem um verdadeiro Rei... Que, venhamos e convenhamos, é muito melhor que ser apenas Papai Noel...


jane_de_paula@yahoo.com



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